terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Diário de Bordo: Gravações em Paulistana

Na terça-feira passada (05) viajei rumo a cidade de Paulistana, ao sul do Piauí, um município com 17.859 habitantes, localizada no sertão piauiense, a 450km da capital Teresina. Paulistana é longe pra caramba, fica quase em Pernambuco!

Foram oito horas de viagem, tudo isso para a gravação de parte do meu documentário sobre paganismo e internet no Piauí. Para produzir esse documentário gravarei em seis municípios piauienses, e escolhi Paulistana para ser a primeira das cidades visitadas. Pretendo concluir o doc no máximo até maio, mas até lá creio que ainda tenho muitas aventuras a vivenciar. A seguir, compartilho com você um pouco do que vivi nessa primeira viagem de gravação do documentário.

CHEGANDO EM PAULISTANA

Saí de Teresina às 18:01h e só cheguei em Paulistana por volta de 02:20 da madrugada. A cidade estava deserta, e a chuva engrossava cada vez mais. A rodoviária de Paulistana era a última parada e lá, desceu apenas um casal comigo. 
O ônibus parou em frente ao Terminal Rodoviário Carleuza Cavalcanti, inaugurado em setembro de 1992, deixou os poucos passageiros e partiu. 

Lá estava frio, corri em direção da rodoviária e vi tudo escuro, como se estivesse abandonada, apenas três lâmpadas da frente estavam acesas. Logo perguntei ao casal se a rodoviária não funcionava durante a noite. A mulher olhou para mim com uma cara de surpresa e depois deu um leve sorriso, disse: 
" Meu filho, cê né daqui não, né? Essa rodoviária não funciona nem de noite e nem de dia!"
Eu, que não conhecia nada por ali, disse surpreso:
"Como assim?"
O homem que acompanhava a senhora (acho que era esposo) disse:
"Esse lugar está abandonado há uns dois anos, os ônibus apenas passam por aqui, mas já deixou de funcionar há algum tempo. Agora é uma rodoviária fantasma!"

Eu já estava bem cansado da viagem, estava receoso por não conhecer nada na cidade e ainda teria de ficar preso naquela rodoviária fantasma, porque a chuva estava bem forte e nem que quisesse poderia sair caminhando dali em busca de hotel. 

NOITE NA RODOVIÁRIA

Conversando com o casal que desceu do ônibus comigo, me deram a notícia de que todos os poucos hotéis e pousadas da cidade estavam ocupados, por conta dos funcionários que trabalham nas obras da ferrovia Transnordestina.

O melhor mesmo seria me conformar e ficar por ali, naquela rodoviária abandonada. Pelo menos tinham duas pessoas me fazendo companhia. Mas ao passar de uns 25 minutos, parou um carro em frente a rodoviária, buzinou e o motorista acenou para o casal, que entrou no veículo. Ao ver isso, disse para mim mesmo:

"Agora pronto, tô lascado de vez... meus deuses! Tô sozinho aqui nesse lugar escuro e sinistro, nessa chuva fria da desgrama, tomara pelo menos que aqui não tenha meliante"

Exatamente naquela noite fria, naquele lugar nada convidativo e desconhecido para mim, me vi diante de uma situação que deixaria muitos apavorados, e até eu confesso que fiquei um pouco assustado com o que estava acontecendo, mas tentei ver tudo com um outro olhar, assumi meu espírito aventureiro e depois de uns minutos refletindo sobre o que acontecia, comecei a gargalhar sozinho, apenas com a companhia das paredes sujas daquele lugar, que devolviam meus risos sob forma de eco.

Pensando bem, a rodoviária foi um ótimo lugar pra ficar, afinal, não tinha nenhum hotel vago em Paulistana, nem mesmo havia moto taxis para que eu buscasse um hotel naquela madrugada. Além disso eu não poderia incomodar minha entrevistada pedindo abrigo, fazendo ela sair na chuva, às 3:00 da madrugada. Toda a cidade já dormia, apenas eu assombrava o terminal abandonado, coberto e encapuzado com meu manto de cetim branco, que me serviu de agasalho contra o frio. 

Depois que o casal foi embora, coloquei meu manto e comecei a passear dentro da rodoviária, parecendo uma assombração, mas eu estava buscando apenas uma das salas vazias na qual eu pudesse colocar a minha mochila e passar a noite em segurança. 

A rodoviária não tinha nem mesmo um vigia e a sorte é que a maioria dos aposentos tinham portas que estavam abertas. Entrei em uma salinha onde funcionava um antigo salão da rodoviária, soube disso porque lá ainda tinha o nome do salão pintado nas paredes.

Pois bem, assim que coloquei a mochila no chão, um raio cortou o céu e iluminou a noite por um segundo, em compensação, a energia foi passear por algum tempo, deve ter sido o susto com o raio..rsrs
Naquela noite escura, a chuva fria de pingos grossos caía sobre o velho teto de flande do terminal e provocava um barulho infernal. 

O cenário era perfeito para gravar um filme do Zé do Caixão. Os raios rasgavam o céu, os trovões pareciam sermões divinos contra a humanidade. Apenas o barulho da chuva e o vento gelado me faziam companhia. Dormir... seria maravilhoso, mas não consegui. Peguei uma cadeira de madeira que estava na frente da rodoviária, a levei para o quarto e fiquei sentado nela. De vez em quando, ao ouvir um barulho estranho, me levantava pra ver o que era. Às vezes os barulhos lá eram tão esquisitos que eu fazia era me esconder mais. 

Foi assim a noite toda, tudo parecia interminável. A chuva não acabava nem ficava fraca. O tempo parecia ter congelado, assim como eu. A cada minuto que passava eu comemorava, ansioso pelo momento em que saudaria o sol no horizonte.

Solitário, após a longa noite na rodoviária, comecei a ouvir os pássaros cantarem, a chuva começava a dar uma trégua e os tons do céu se tornavam mais avermelhados. O sol estava chegando, mas apenas às 5:45 deu para ver o astro rei no horizonte. Dei vivas ao Deus Apolo e agradeci aos meus guardiões pela noite em segurança naquele "hotel" improvisado.

AMANHECER

É, depois daquela noite naquele lugar me senti feliz por estar vivo, e ainda estava bem disposto. Não posso dizer que acordei disposto porque não dormi, mas pelo menos amanheci disposto a dar o melhor de mim para que as gravações ficassem perfeitas. 

Antes de qualquer coisa procurei um lugar onde eu poderia comprar as passagens de volta para Teresina, mas depois de andar de um lugar pra outro por cerca de uma hora e ninguém me dar nenhuma informação consistente, resolvi procurar depois, porque estava cedo demais e eu tinha que comer algo. Como estava pertinho da rodoviária, voltei lá pra fazer xixi, aquele banheiro me dava náuseas, uma imundície só, mas era melhor que sujar as ruas. 

Paulistana é bem pequena, dá para andar tudo a pé, mas é bem bonitinha, com duas igrejinhas e praças típicas de uma cidade interiorana. O dia amanheceu e eu estava com fome. Procurei um lugar pra lanchar, comi bolo frito e tomei um café preto sem leite, mas para concluir meu lanche tive que disputá-lo com as muitas moscas que voavam no local. 

GRAVANDO

Depois de "encher o bucho", como se fala por aqui, saí caminhando pelas ruas da cidade e captando imagens para o documentário. Alguns transeuntes me olhavam estranhando o fato de eu estar filmando a cidade, ainda mais tão cedo da manhã. 

Depois de captar as imagens que queria e explorar um pouco a cidade, fui em busca da casa da minha entrevistada, uma simpática bruxa solitária, dona de um salão de beleza em Paulistana.

Gravamos em muitos pontos de Paulistana, no açude Ingazeiras, na igreja de Nossa Senhora dos Humildes, nas praças e em outros locais. A cidade tem paisagens encantadoras e o açude, apesar de criado artificialmente a partir de um desvio, é belíssimo.

Uma das partes mais engraçadas da gravação foi quando minha entrevistada se vestiu de bruxa e saiu andando pelas ruas de Paulistana, a gravação dessa cena atraiu a atenção de quem passava pela praça da igreja principal. Uns olhavam, colocavam a mão na boca como sinal de espanto, outros apenas sorriam, e outros balançavam a cabeça como se estivessem negando algo, só não sei o que era... rs

Terminei as gravações e a coleta de depoimentos por volta das 12:47h, e iria almoçar na casa da simpática bruxa Cida, mas logo recebi a informação de que o ônibus para Teresina só passava duas vezes por dia, por volta daquele horário ou cerca de 20:00h. Como não queria esperar até as 20:00h, me despedi de Cida e de sua assistente, a prestativa e alegre "Preta", que ajudou a gente nas gravações. 

RETORNANDO PARA CASA

Saí correndo em direção a BR onde me disseram que o onibus passava. Fui perguntando do pessoal pra saber onde exatamente o ônibus passava e finalmente encontrei um ponto de venda de passagens, dessa vez estava aberto. 

Me informei com os vendedores e recebi a péssima notícia de que teria de esperar até as 14:00h para pegar meu ônibus até Teresina, mas comprei a passagem logo, porque poderia ser bem pior, ao menos eu voltaria para casa no mesmo dia. Além disso eu já estava lá mesmo, preferi aproveitar e comprar a passagem, era o ônibus que ia demorar menos, apesar de ser a empresa mais cara e desconfortável. 

Fiquei esperando, "bêbinho de sono", comprei uma coca cola pra refrescar o calor e tentei me manter acordado. O ônibus se atrasou e só veio chegar lá às 14:45, entrei nele como se estivesse entrando em um quarto de hotel de luxo, mas na verdade aquele veículo era uma lástima. 

A viagem foi longa, desconfortável, quente e enfadonha, mas enfim cheguei em Teresina por volta das 23:00. Aqui estava chovendo, peguei um moto taxi na chuva mesmo e, ao chegar em casa, tomei um banho demorado pra tirar toda a sujeira. Caí na cama e só fui acordar meio dia... hehe, o que posso dizer é que todo o esforço até agora valeu à pena, porque estou satisfeito com as imagens que colhi em Paulistana. 

Nas próximas semanas viajo em mais uma aventura, dessa vez as cidades serão Piracuruca e Parnaíba, ao norte do estado. Todas as novidades posto por aqui assim que puder! Se você torce por mim, obrigado! agradeço muito todas as energias boas que me ajudam a ter forças e concluir esses projetos. Agradeço aos e-mails de incentivo, boa sorte e amizade, apesar de não ter tempo para responder todos com prontidão, saibam que fico muito feliz pela força! Abraços e até a próxima!

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